5 de fev. de 2008

II Tempo_Blue Sky

...

Dois intermináveis minutos se passaram sem que Morgana se mexesse. Entre nós uma mistura de medo e descrença fazia com que não desprendêssemos os olhos dela. O rosto pálido pelo sangue que deixava de circular no seu corpo dava-lhe certa candura, algo angelical, coisa jamais vista no escritório.

Lembro-me de uma vez em que estava eu, Michael e Jonatan, conversávamos diante da máquina de café no corredor que leva a sala de reuniões, sobre a Pasta MAC - L. Fomos interrompidos pelo barulho de vidro estilhaçado. Ao voltarmos os olhares para a direção do som, Charles Lee surgiu sem fôlego. Os olhos puxados, pequeninos, pretos, estavam arregalados e bem maiores que o de sempre. Os óculos de armação preta e grossa, um exagero no pequeno rosto de Lee, já não conseguiam esconder o pavor. A causa? Morgana, mais uma vez.

Disse-nos ele, se recuperando da corrida, que tudo que havia sobre as mesas tinha destino contrário ao normal: seria arremessado pela janela. Tudo: peso de papel, porta canetas, bloco de notas e os rascunhos da acusação, nem mesmo o telefone sobrevivera ao vôo em direção ao fim da utilidade planejada pelos homens da ciência. Isso era Morgana, algo mais extremado, de coisas que se unem ao ar e as nuvens, não ao chão e a mesmice.

Daí o porquê do som estridente. Com o ar condicionado, as janelas fechadas, os arremessos tiveram sucesso só depois de despedaçar a fina película transparente que separava os ares, quente de fora e frio de dentro. Um novo sistema de refrigeração, carro em valor investido no local, era o “ambientador” de tardes ensolaradas, teoricamente mais produtivas. Fazíamos o clima da saudosa Inglaterra, fria e úmida, em plena São Paulo, infernal, sobretudo no mês de dezembro. A única sobrevivente do exercício físico foi a pequena escultura em bronze de Diké, filha de Zeus, que ficava sobre o aparador, atrás do confortável sofá marrom.
Segundo a narrativa de Lee, a explicação para essa intempérie era a suspeita de uma nova testemunha, encontrada pela defesa e denunciada por um dos espiões pagos pela chefia. Todo o esforço, horas de vigília de nossa equipe e os “podres” descobertos, antes empurrados para debaixo do tapete rosa, poderiam ir por água abaixo.

- “Ainda que eu trabalhe com Morgana há muito tempo, não achei na minha memória referência de arremesso de peso como hobbie”, disse-lhes num sorriso de canto da boca... De alguma forma a minha naturalidade em lidar com o absurdo, os tranqüilizou.
Um dedo, o indicador da mão esquerda, mesmo lado do braço ferido, se mexeu. Entreolhamos-nos. Mais ensandecidos três minutos se passaram até que abrisse os olhos. Meio banza tentou reerguer seu corpo da cadeira e caiu de volta, no mesmo lugar, numa sentada só. E demonstrou sinais de recuperação da consciência: deu ordens!

- Porque vocês estão paradas aqui? Vamos, temos de ir embora o mais rápido possível, disse-nos entre os tossidos.

Enquanto isso Jonatan já estacionava o carro defronte aquele imundo bar. Se estivéssemos em qualquer rua dos Jardins nosso transporte poderia até ter passado despercebido. Mas ali? Como olhares dos transeuntes iriam ignorar? Não fosse a caminhonete. Não fosse o belo semblante de Jonatan.

Por motivos óbvios, arrancamos Morgana da cadeira, agora mais viva que morta, e a colocamos no banco da frente da caminhonete. Atrás fomos eu, Anna e Paola. No bar, lugar dos dormentes é muito possível que todos tenham continuado suas medíocres vidas como se nada tivesse acontecido. Os jogadores seguir-nos com os olhares até a saída e voltaram-se para a sinuca. O barman que com canto do olho vez ou outra fotografava a cena das meninas em volta duma drogada sobre a cadeira, esfregaria durante o resto da noite o pano sujo nos mesmos copos que seriam de novo despejados sobre a prateleira de espelhos.

Na rua chamamos atenção de dupla platéia. Dois bêbados que concorriam ao Oscar de qual melhor fantasia do além, tamanho beleza das esfarrapadas roupas e palavreados. Xingaram-nos porque atrapalhávamos na calçada. Uns garotos encostados no baixo muro do outro lado da rua, distantes do poste com luz, não nos viram. O pó branco os seduzia mais.

5 comentários:

Critical Watcher disse...

Você escreve com uma naturalidade e uma riqueza de detalhes que me prendem ao seu blog. Muito bom mesmo!

;)

Mike disse...

Grande Paula...
Essa história está esquentando...

Gostei do meu personagem... quer dizer, nem sei se é meu, mas já o tomei para mim. heheheheheheheh
Espero que ele ganhe mais destaque para que no futuro, quando este romance tomar as telas de cinema, eu seja convidado para dar mais detalhes sobre o Michael ficcional.
heheheheheheh

Curti muito a Morgana, ela é muito porra-louca... fiquei curioso em como vc visualiza os personagens. Na continuação, dê mais detalhes sobre a aparência deles. Uma sugestão!

Grande abraço e bom fim de semana

John Doe disse...

muito boa a continuação e espero por mais agora que começo a entender a historia e a ligação entre personagens, quero mais...

Anônimo disse...
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Roberta A. Mondadori disse...

Incrível forma de escrever você tem, faz o leitor ver a historia... pelo menos eu tive a visão dos personagens e suas ações. Voltarei e espero que me visite. Até Breve!